Lugar-comum é a marca da peça Corações Encaixotados

Um enredo previsível transforma Corações Encaixotados em uma peça fácil de ser esquecida assim que a platéia deixa o teatro. O espetáculo que esteve em cartaz em Campo Grande nos dias 5 e 6 de outubro no Centro de Convenções Rubens Gil de Camillo se encaixa naquele tipo atração artística que serve para distrair, e olhe lá, durante os intermináveis 90 minutos que os atores estão em cena. Para um autor com tanto nome no cenário nacional, Bosco Brasil deixou a desejar em Corações Encaixotados. Neste caso, os atores acabam virando mais uns faladores de palavras do que intérpretes de um texto.

Maria Clara Gueiros se vira como pode. A atriz muitas vezes dá gritos, eleva o tom de voz e faz caras e bocas que lembram de imediato as suas aparições na tevê. O público embarca na onda e ri bastante, mesmo em momento nem tão engraçado. O problema de Corações Encaixotados é que à medida que a história vai se desenrolando, menos se acredita nela. Para começar a situação não é nada inspiradora. Uma defensora pública (a Dulce Castro vivida por Gueiros) que fica esperando chegar a sua mudança, que está nas mãos do Geraldo, o tal caminhoneiro barrigudo e de bigode enorme que está ‘enrolando’ para entregar os móveis da protagonista. Por isso, o cenário é apenas aquelas caixas de papelão horrorosas que é duro de ficar olhando por tanto tempo. Visual zero.

O pai da defensora pública (Domingos Castro, vivido por Aloísio Abreu) é o mais idoso dos personagens e o único que fica levando pra lá e pra cá as caixas. Não dá para acreditar. Aí entra o Dadá, ex-marido de Dulce (interpretado por Marcelo Adnet), que na verdade é um homossexual enrustido. E aí começa os erros do enredo de Bosco Brasil, caindo na piada fácil e escancarando o preconceito com o homossexual tão comum nos programas brasileiros (ruins) de humor.

A platéia não percebe e ri de situações esdrúxulas. Para piorar o quarto elemento em cena e que serve de ‘escada’ para Maria Clara Gueiros não tem nem de longe o ‘sex appeal’ necessário para fazer acreditar que vai fazer o ex-marido e defensora público ficarem apaixonados por ele. Rocha é um estagiário de Dulce, bem mais moço e extremamente meticuloso e tímido, que faz a chefe se sentir atraída por ele. Mas simplesmente não dá para acreditar e fica óbvio que o personagem serve mais para resolver cenicamente a vida do autor do que envolver a platéia com uma ação condizente.

Com um cenário só envolvendo as caixas as cenas parecem mornamente repetidas. Os ataques de Dulce ao celular com o filho que está com a namorada em uma comunidade hippie são repetidos cansativamente e o preconceito e as piadas rasteiras conseguem animar um público que já vai querendo rir de qualquer coisa dita pela comediante do Zorra Total. ‘Ela pelo menos raspa o suvaco meu filho!’ é o suficiente para a risada em bando. A falta de uma trilha sonora também fica evidente. Os diálogos a seco ficam ainda mais monocórdios.

Um dos poucos momentos que surpreendem na peça é quando ocorre ‘uma queda de luz’” e tudo fica escuro no apartamento e teatro. Por uns cinco minutos só se escuta as vozes dos atores e o pública vai imaginando o que está acontecendo no palco. Uma boa técnica para fazer funcionar a imaginação do público. Aliás, o uso de microfone sem fio pelos atores é louvável e evita o constrangimento de não conseguir escutar atores que não tem pronuncia boa para o teatro. Com o auxilio tecnológico isso não acontece em Corações Encaixotados.

A revelação de que a defensora pública está querendo um flerte com o estagiário acontece bem no final da peça, depois do ex-marido gay ter dado em cima do rapaz por várias longas cenas que não passam de besteirol batido, previsível e medianamente executado. O clima de humor vai desaparecendo e um ar romântico vai imperando nos momentos finais da peça até chegar ao cúmulo do lugar-comum que é o beijo entre Dulce e seu estagiário Rocha. O beijo, aliás, com direito a pétalas de rosa caindo e Nélson Gonçalves cantando o clássico Rosa é de longe o momento mais teatral e feito com mais empenho pelos dois atores. Ao contrário das centenas de palavras, deu para acreditar no único beijo da peça.

* Publicado no jornal O Estado de MS em 08/10/2007.

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