Entrevista Wilson Barbosa Martins

O mesopotâmico Wilson no quintal do histórico escritório na Rua 15 de Novembro

Wilson Barbosa Martins é testemunha singular da história da humanidade. Nascido em 1917, ele acompanhou os principais fatos que marcaram o século XX e ainda observa toda a evolução que acontece no século XXI. Aos 92 anos de idade, este campo-grandense resolveu colocar no papel os muitos acontecimentos que presenciou. Não foi pouca coisa. Em maio de 2010 o ex-governador de MS, ex-prefeito de Campo Grande, ex-deputado federal e ex-senador da República lançou a biografia “Memória – Janela da História” com uma grande festa no salão do Rádio Clube Cidade, em Campo Grande. O evento, repleto de admiradores importantes, confirmou que Wilson não só foi testemunha do século, como fez, ele mesmo, história.

A entrevista exclusiva ao jornal O Estado (publicada em 8 de maio de 2010) foi concedida no escritório que fica em frente a sua casa na Rua XV de Novembro, mesmo local onde permaneceu isolado ao perder os direitos políticos no final dos anos 60. No bate-papo, Wilson citou as várias passagens de sua vida, os momentos mais emocionantes que relembrou para fazer a biografia e uma das lembranças mais tocantes de sua trajetória: o encontro, aos 8 anos, com as centenas de integrantes da Coluna Prestes, que chegaram sem avisar à fazenda da família no ano de 1925.

Completamente lúcido, lembrando de datas com precisão e nomes de políticos, artistas e personalidades que marcaram a História brasileira e mundial, Wilson garante que realizou praticamente todos os seus sonhos e que lançar o livro com as suas memórias foi um dos seus últimos desejos. No entanto, deixa claro que um homem nunca para de sonhar e com ele não será diferente. Com vocês, Wilson Barbosa Martins!

Aqui no blog o bate-papo está na íntegra.

Rodrigo Teixeira: Quais os motivos que levaram o senhor a escrever uma autobiografia agora, em maio de 2010, e não em outras oportunidades?

Wilson Martins: Eu sempre fui motivado, cobrado e aconselhado a escrever uma biografia e minhas memórias porque eu gravo bem os acontecimentos. Sou testemunha de fatos importantes da nossa vida social e política. No entanto, não via com nitidez a importância de publicar um livro a respeito. Mas para expor os esforços de companheiros, amigos, parentes e filhos eu me rendi. Em busca do próprio Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso do Sul, ao qual pertenço. Você ganha notoriedade no futuro se você deixar algo escrito, porque, na verdade, o que você diz em suas entrevistas passa. As palestras passam, mas permanece o que está escrito.

Rodrigo Teixeira: O senhor acompanhou o século XX quase inteiro. Quais as transformações que julga mais importantes ao longo desses anos todos?

Wilson Martins: Eu nasci não no início, mas em 1917, estávamos saindo da Primeira Guerra Mundial. Tanto que meu nome é de um dos ídolos dessa guerra, que procurou estabelecer princípios e acordos de integrações, que evitava confrontos, que foi o presidente Wilson (Thomas Woodrow Wilson/December 28, 1856–February 3, 1924). Meu pai me presenteou com o nome de um grande líder mundial. E o século não foi marcado apenas pela Primeira Guerra. Foi marcado por governos comunistas terríveis. Marcado por uma 2ª Guerra e outros confrontos. O Século XX foi terrível. Um dos séculos mais carregados de motins. Já no Brasil tivemos também um terrível período. Saímos da flacidez da 1ª República e tivemos revoluções em 22, 24, em 30. Depois, levantes comunistas em 35. E integralistas logo a seguir, onde todos buscavam depor o presidente da República. A partir de 1930 tivemos um movimento que vieram realmente para depor o presidente, justamente para trazer democracia, para mudar os costumes dos leigos, as eleições sobre tudo. Na Primeira República, as eleições se faziam e quem vencia era o governo. Era sempre uma eleição marcada. Até que isso caiu em 1930, na deposição de Washington Luís e na impossibilidade de Júlio Prestes tomar posse, não através de eleição, mas pelo levante de 30. Foi a última revolução dos tenentes inconformados com aquela situação. Mas o próprio Getúlio também aceitou governar de forma ditatorial, tanto que em 1932 ele recebeu uma reação forte de São Paulo, que teria o apoio de Minas Gerais e Rio Grande do Sul, que a Última Hora deixava de apoiar a revolução e passava a apoiar o Governo. Acabou ficando só uma parte do sul de Mato Grosso ainda na revolução. E o sul de Mato Grosso tinha suas razões. Primeiro porque a Revolução de 30 não deu importância ao Estado, principalmente para o sul. E também porque o MT queria a divisão do estado. Nós fizemos uma revolução com duplo objetivo aqui. Chegamos à Constituinte para aprovarmos uma constituição mais moderna e também para ver nessa Constituição o surgimento de mais um estado que seria o Mato Grosso do Sul. Esse era o nosso objetivo. As nossas lideranças sempre demonstravam isso. Até que o próprio presidente da república, Ernesto Geisel, trouxe o desmembramento do Estado de Mato Grosso com o Mato Grosso do Sul, formando um Estado que coincidia com as dimensões que nós ansiávamos. Então eu vejo o século XX como um século que nos trouxe bastante amarguras, tristezas, mas trouxe um grande presente, uma grande dádiva que foi o desmembramento do Mato Grosso.

Rodrigo Teixeira: Vespasiano Barbosa Martins, seu sogro, foi o governador do Estado de Maracaju de 32 e o senhor foi o primeiro governador eleito de Mato Grosso do Sul. Ele foi exilado e o senhor teve seus direitos cassados. Os dois foram senadores do Brasil. Como o senhor vê essas atuações paralelas com Vespasiano nessa luta pela democracia e pela busca da divisão do estado? O que Vespasiano influenciou na sua vida, na sua carreira?

Wilson Martins: O Vespasiano eu considero um dos melhores varões de nosso Estado, de todos os tempos. Ele foi um homem preparado, profissionalmente um bom médico, um bom companheiro, um bom amigo e um bom político. E o principal objetivo de Vespasiano era a divisão de Mato Grosso. Foi uma pena ele ter morrido antes de ver concretizado esse feito, em janeiro de 1965. A divisão só veio a acontecer em 1977. Em meu modo de ver foi mesmo um dos melhores homens de nosso estado.

Rodrigo Teixeira: O senhor acredita que ele seria favorável à ideia de se mudar o nome do Estado, por exemplo?

Wilson Martins: Não creio. Eu acho que Mato Grosso do Sul é um nome muito tradicional, que representa bem nossos anseios. Não temos que mudar para Estado do Pantanal ou qualquer outro nome.

Rodrigo Teixeira: Mas não deveríamos fazer um trabalho de marketing, por exemplo, para se fixar melhor o nome e não ter essa confusão com o Mato Grosso?

Wilson Martins: Acho que o nome está bem gravado em todos os municípios. Não há uma movimentação da população no sentido de se substituir ou se alterar esse nome. Já houve alguém que buscou modificar a nomenclatura de nosso estado, mas hoje está tranqüila essa questão.

Rodrigo Teixeira: Já falaram que a “Coluna Prestes” foi um dos maiores feitos da humanidade e o senhor escreve sobre essa questão em seu livro. Gostaria que o senhor comentasse um pouco esse feito histórico.

Wilson Martins: A “Coluna Prestes” foi um movimento singular na história brasileira. Primeiro porque objetivava mudar os costumes políticos do Brasil. E durante a colônia e a primeira fase da República os costumes eram os mesmos, obter a vitória tranqüila das eleições, vencendo sempre o governo. A “Coluna Prestes” antecipou-se aos civis através da preparação muito patriótica que tiveram os oficiais daquele período como Benjamin Constant, além de cidadãos como o Siqueira Campos de São Paulo, Alberto Barros de Pernambuco e tantos outros. Eles representavam pensamentos firmes de modificação. E foram esses os homens que integraram a “Coluna Prestes”, além do próprio Luís Carlos Prestes, que era de Santo Ângelo (RS). O nome da coluna traz hoje apenas o nome dele, mas o chefe da revolução em São Paulo era o Miguel Costa e, no Rio Grande do Sul, naquela área era o Prestes. E este último, pelos seus atributos e seu preparo, acabou sobrepujando ao próprio Miguel Costa. Mas ambos percorreram o Brasil, unidos. Tanto que a coluna se compunha de uma média de 500 homens por batalhão. Eram três ao todo.

Rodrigo Teixeira: O senhor estava na fazenda de seu pai quando a Coluna Prestes chegou?

Wilson Martins: Eu estava na vacaria, na Fazenda São Pedro, onde nasci, quando eles passaram em maio de 1925. Estávamos com mamãe só, além de um primo mais crescido. Ele era filho de Barnabé Barbosa, o nome dele era Alfredo Barbosa. Ele estava em casa tratando-se de malária. E estávamos olhando o horizonte quando avistamos descendo uma coluna. Era formidável para mim ver aqueles cavaleiros todos, aquele exército descendo, chegando ao córrego Arrozal, que dividia a nossa propriedade e subindo para nossa sede. Dali a pouco chegaram os oficiais perguntando sobre o dono da propriedade. Dissemos então que meu pai se achava ausente e minha mãe estava só. Eles foram chegando já desencilhando a tropa e se acomodando pelo pátio. Ao lado da casa havia um pátio bastante amplo e eles foram chegando. Era um mês bastante fresco, as noites eram bastante frias, portanto não levantavam barracas, dormiam ao relento. E nós levamos os comandantes à presença de minha mãe, que haviam sido convidados para que entrassem em casa e tomassem um café ou um refresco, enfim, o que quisessem. Chegados ali, especialmente João Alberto e Siqueira Campos. E minha mãe disse que estava só, com os filhos pequenos e lhes pediu garantias, mas os recebeu com tranqüilidade, com serenidade, enfim, com cordialidade, essa é a palavra. E disse a eles que já era tarde e que, por isso, se quisessem poderiam pernoitar. Tinha um aposento na casa que serviria para os oficiais do comando. E eles então permaneceram e pernoitaram lá. Enquanto mamãe estava ouvindo as razões da revolução, ditas pelos dois, eu os deixei na sala e fui até onde estava a tropa. E quando cheguei vi que um soldado, um dos componentes da tropa, se apossava do apeio de montaria do meu pai. Então vi onde ele estava acampado, nada disse, nem protestei para ele. Voltei imediatamente até a sala e me dirigi ao Siqueira Campos, talvez visse nele um homem de maior autoridade e imaginei que, naquele momento, ele era a pessoa que podia trazer para apoiar na recuperação do apeio de meu pai. Ele então me perguntou onde estava o apeio e onde estava acampado esse soldado. Fomos então juntos. Eu o levei até onde estava o soldado e ele em seguida mandou que todos esses pertences, arreio, baixeiro, pelego, baldrana e o freio de cabeça do cavalo do meu pai, tudo isso, fosse enrolado e ficasse em poder da minha mãe, dentro da casa. E, ao mesmo tempo, colocou em cada um dos cantos da casa, que era uma casa de madeira muito bem construída, um soldado pra ficar de guarda a noite inteira. E enquanto a tropa ficou ali, a casa ficou bem guardada e pudemos ficar em garantia. E assim foi a estadia deles e eles teriam que fazer a preparação da alimentação, certamente utilizando das fazendas, portanto, certamente aquelas que estavam mais próximas. Foi então que eles carnearam algumas vacas leiteiras de nossa fazenda. E ficamos assim sem uma de nossas vacas, uma das mais leiteiras que tínhamos, da qual tomávamos leite todas as manhãs, era a Laranjinha. Ficamos, portanto, sem a Laranjinha, que acabou virando churrasco deles.

Rodrigo Teixeira: O senhor foi prefeito de Campo Grande entre 1959 e 1963. Quais os principais problemas que enfrentou na administração daquela época e qual a avaliação dos problemas urbanos atuais? O que o senhor acha que ainda tem de melhorar?

Wilson Martins: É difícil dizer. No tempo em que fui prefeito, Campo Grande ainda era uma cidade muito pequena. Se juntássemos a população rural mais a população urbana não dava mais do que 50 mil habitantes. Metade ficava na cidade e a outra na zona rural. A cidade tinha apenas um Juiz de Direito, Promotor Público. Eu advogava e o doutor Eurindo Neves era Juiz de Direito. O doutor José Fragelli, que faleceu há pouco tempo, era o promotor. A cidade não tinha ainda mais de 30 advogados. A cidade hoje tem um Tribunal de Justiça com 100 magistrados. Tem um Ministério Público composto de muitas figuras, a Defensoria Pública e tudo o mais em uma cidade de mais de 750 mil habitantes. Então os problemas hoje são muito mais complexos e muito maiores. Apesar de que tudo é muito relativo, pois se têm muito mais recursos para atendê-los. O País está esplêndido, cheio de recursos. No período em que eu fui prefeito os recursos eram limitados, pequenos. Uma quadra de asfalto que eu fazia era uma novidade enorme para a cidade. Um de nossos prefeitos, o doutor Marcílio de Oliveira Lima, que era do meu partido e me antecedeu na prefeitura, quando ele conseguia pavimentar uma das quadras da cidade, era sempre um grande foguetório, uma grande alegria. Mas quando eu assumi a prefeitura, já conhecia os problemas da cidade, tinha sido Secretário Geral da prefeitura na administração do doutor Fernando Corrêa da Costa, que foi anterior ao Moacir. Eu sabia que a prefeitura tinha que organizar seus serviços, ter serviços de previdência para seus funcionários e uma lei bastante ampla para regulamentar o problema dos loteamentos. Então, nós precisamos organizar nossos próprios serviços, tanto de pessoal, como de material. E foi o que eu fiz. Fiz uma legislação à altura dessa cidade. Deixei uma prefeitura organizada, de forma que a partir disso, os recursos foram ampliados de forma a bastar às demandas que a cidade precisava para os próximos prefeitos que assumissem.

Rodrigo Teixeira: Gostaria que o senhor lembrasse dos artistas da cidade. Nesta época que o senhor foi prefeito foi o auge da geração sertaneja de Délio & Delinha, Zacarias Mourão e Amambay & Amambaí, por exemplo.

Wilson Martins: Havia também os pintores, que eram artistas muito apreciados, faziam muitas exposições. Eram muito boas suas obras. Eu me lembro, em primeiro lugar da minha mulher (Nelly Martins), que tinha um ateliê em casa, onde pintava suas telas. Eu era um grande admirador de sua pintura. Mas o primeiro pintor dessa época foi o Humberto Espíndola, que marcou muito sua presença no Estado. E que fez todo aquele movimento cultural para Cuiabá, de levar nossa cultura para lá.

Rodrigo Teixeira: O senhor conheceu Lídia Baís?

Wilson Martins: Sim, ela morava na esquina da Rua 15 de Novembro com a praça da Igreja Santo Antônio. Minha mulher era sua sobrinha e foi quem assistiu seu período de vida mais crítico na velhice. Foi quem esteve ao seu lado, inclusive fez seu funeral, que foi no cemitério Santo Antônio. Lídia foi o primeiro talento nosso aqui na pintura.

Rodrigo Teixeira: Qual a primeira sensação que o senhor teve no dia em que tomou posse como primeiro governador eleito do Mato Grosso do Sul?

Wilson Martins: Plena alegria! A alegria de um homem que tinha recuperado seus direitos políticos, que tinha suplantado aqueles dias tristes da ditadura militar. Quando eu fui cassado, em 1969, fiquei impossibilitado aqui em meu escritório de realizar transações no Banco do Brasil, de dar aulas na Universidade. Afinal eu dei a volta por cima e chegava já como autoridade máxima do Estado, estava eleito governador. Veja como é a sorte dos homens e dos políticos.

Rodrigo Teixeira: Sua eleição foi sensacional. O Pedrossian teria que vencer por obrigação, não?

Wilson Martins: O Pedrossian era o homem mais forte do Estado. Ele não perdia nenhuma eleição. Mas por outro lado, estava apoiado no dispositivo militar. A revolução era fortíssima. Então eles (revolução) lançaram a candidatura do prefeito de Dourados, o segundo município em população e em importância política. Zé Elias Moreira saiu candidato. Mas o meu partido, o PMDB, meus companheiros souberam fazer uma campanha de grande porte e eu organizei também um programa interessante, trabalhei muito no Estado e divulguei em todos os pontos de Campo Grande meu programa. Soube aglutinar forças de todos os segmentos populares e acabei saindo vencedor. Foi uma grande novidade, vencemos a revolução, os militares e o Pedrossian. Foi uma soma de organização, boa acolhida das correntes políticas com as quais lutamos que respondem pela bela vitória que tivemos.

Rodrigo Teixeira: Até que ponto seu irmão Plínio teve participação nessa sua vitória. Alguns dizem que era para ele ter saído candidato e acabou sendo o senhor.

Wilson Martins: Na verdade, com a cassação do meu mandato e a suspensão de meus direitos políticos eu era um homem que estava exilado em meu próprio escritório, em minha residência. Fiquei dez anos sem poder participar da vida política, sem fazer um discurso, sem dar uma entrevista. Sem vida política, e em grande parte com uma vida social muito prejudicada. Por outro lado, Plínio Barbosa Martins, meu irmão, foi eleito prefeito de Campo Grande em 1966 pela oposição. Porque com a reorganização dos partidos políticos, como a extinção dos partidos como Aliança Democrática Nacional (ADN), o Partido Social Democrático (PSD), o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) e todos os demais, ninguém tinha partido político. Aliás, antes de 66, em 1946, quando caiu Getúlio Vargas, quando houve o primeiro golpe por parte de seus amigos, extinguiram-se os partidos. Então, depois começamos a reorganizar os partidos políticos. Criamos a União Democrática Nacional (UDN), nós da oposição, para combater os outros partidos e conseguimos empolgar a população. E o Plínio foi eleito como prefeito de Campo Grande em 1966 já pelo PMDB. Foi eleito um homem com bastante alegria, entusiasmado, extrovertido, já tinha sido eleito vereador. Quando chegou a eleição para governador em 1982, o nome do Plínio era o melhor nome que dispunha a oposição para comparecer ao prédio eleitoral e vencer as eleições. Plínio se esquivava, mas eu o aconselhei que se candidatasse. Aqui estiveram, nessa ocasião, José Fragelli, o Marcelo Miranda, entre muitos outros políticos que compunham a oposição. Trouxeram então o convite para que organizássemos a chapa, na verdade para tomarmos uma decisão de quem disputaria o governo. E em uma das reuniões em que eu estava presente ele me perguntou: “Você acha que eu dou conta disso?”. Respondi: “Perfeitamente!” Mas ele voltou a questionar, alegando que não teríamos dinheiro. Eu respondia sempre o estimulando, dizendo que dinheiro nós arranjaríamos com luta, com determinação. Respondi-lhe que tinha condições de vencer a disputa. E ele saiu dessa entrevista decidido a encarar essa eleição, mas ficou de me dar uma resposta definitiva na manhã seguinte. Aconteceu que na manhã posterior chegou aqui e disse: “Wilson, me tira dessa enrascada. Eu não tenho condições, sou fã da família. Não vejo como poder vencer essa eleição”. Foi então que os outros membros da composição da chapa se voltaram para mim. Eu examinei bem a realidade do momento, examinei nossa campanha e vi que tínhamos condições de vencer, de ganhar dinheiro e tocamos a campanha. De fato, saímos vitoriosos!

Rodrigo Teixeira: O senhor é a personalidade política mais complexa em nosso estado. Veio de uma família tradicional de fazendeiros e ao mesmo tempo é ligado aos movimentos de esquerda. Isso provoca um contra-senso. O senhor se considera um homem de esquerda?

Wilson Martins: Eu me coloco como um democrata. Acho que essa questão de ser de esquerda, direita, são todas as palavras que cabem dentro da macro palavra, que é a Democracia.

Rodrigo Teixeira: Mas nesta ocasião em que o senhor foi eleito como governador, essa diferenciação foi fundamental?

Wilson Martins: De certa forma sim porque consegui o apoio de muitos partidos a partir daí, como o do próprio PC (Partido Comunista) que me apoiou bastante, tanto para prefeitura, quanto em 1982.

Rodrigo Teixeira: Quis deixar essa pergunta para o final. A Dilma candidata à presidência do PT fechou uma aliança com o Michel Temer, que é do PMDB. Como o senhor vê essa aliança?

Wilson Martins: Temos visto a luta que tem sido não só da Dilma, como do próprio PMDB. Isso não me surpreende porque está na linha da luta que o PMDB vem traçando, uma vez que já havia se ligado ao Lula, que o apoiava inicialmente por uma falange. E que essa falange acabou se ampliando para uma boa parte do partido. Mas em estados como o nosso esse apoio não se concretiza.

Rodrigo Teixeira: Hoje há uma inversão de valores políticos no Brasil. Não se segue mais os ideais de cada partido, e sim à vontade ou o momento em que está o político. O senhor não acha que os partidos deveriam estar mais fortalecidos nessa questão e os integrantes mais coerentes com a linha partidária?

Wilson Martins: Eu responderia a essa questão que na verdade os partidos deixaram de enfeixarem com seus líderes, como o próprio André Puccinelli e o Nelson Trad, que já também se declarou favorável à eleição da Dilma, e que é um grande admirador do Presidente da República. Mas isso é apenas uma parte do partido. O PMDB sempre foi um partido inteligente. Naquele período de sua criação, sempre foi um partido muito mais intolerante ao poder. Imagine que naquele período em que fui presidente da Câmara Federal e que foi criado o PMDB, era possível ter simpatia ou até mesmo diálogo com o partido revolucionário. O partido tinha uma disciplina muito mais forte. Hoje as coisas são diferentes. Mas há realmente essa dicotomia a que você se refere.

Rodrigo Teixeira: O PMDB está desde 1986 na prefeitura de Campo Grande. Desde então estamos emendando um mandato no outro. O senhor não acha que isso acaba não sendo saudável para a administração da cidade. Tantos anos uma mesma linha política no governo?

Wilson Martins: Um dos princípios básicos da democracia é sem duvida a rotatividade no poder entre os partidos políticos. Fizemos uma revolução em 1930 para que isso fosse garantido, através do voto. Mas certos fatos mostram alguma contrariedade a esses princípios.

Rodrigo Teixeira: Qual foi a parte mais emotiva para o senhor ao remexer nas próprias memórias?

Wilson Martins: Foi no início, quando ainda menino, lembrei da fase da minha vida na fazenda em que nasci e que estava ainda sob a proteção de meus pais. Ia pescar com meu pai, subíamos de carreta. Minha mãe me convidada para sentar e assistir com ela as belezas de ver o sol se pondo. Esses fatos me tocaram profundamente quando escrevi.

Rodrigo Teixeira: Qual sonho ainda a ser concretizado?

Wilson Martins: O último sonho era publicar essas memórias. Passei dois anos e tanto escrevendo, jogando no lixo algumas partes. Refazendo e ditando. Em vez de escrever com a BIC, como fiz a metade do livro, passei a ditar a secretária, que teve mais desenvoltura para chegar ao final. Depois disso que sonho ainda me resta? Quero descobrir ainda coisas para o futuro, que é o que me resta. Nunca podemos deixar de sonhar com as coisas.

2 pensamentos sobre “Entrevista Wilson Barbosa Martins

  1. Bastante lúcida e apaixonada a entrevista de meu querido e velho tio Wilson. Soube deixar com clareza suas lutas por nosso Estado. Sua vida foi um exemplo. Tio Wilson foi um dos homens mais dedicados que conheci na vida. Cumpria, diariamente, o planejamento que fez para sua vida. Tudo, sem perder a ternura e a poesia com que encarava a vida. Abraço grande a meu tio Wilson. Marcelo B Martins.

  2. Excelente entrevista. Cabe apenas uma correção: Vespasiano era sogro do dr. Wilson e pai da saudosa Nelly Martins, e não bisavô do mesmo, como diz a entrevista.

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